Ciência Política. Direito-Antonio O.da Silva

Ciência Política e Direito


por Antonio Ozaí da Silva*
Costumo pedir avaliações aos meus alunos. Certa feita, fiquei pasmo ao ler as palavras de um jovem acadêmico do Direito. Ele afirmava literalmente que não compreendia porque a disciplina de Ciência Política constava da grade curricular. Passamos um ano estudando os clássicos do pensamento político: Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Rousseau, Tocqueville, Stuart Mill e Karl Marx. A julgar pela avaliação deste pupilo, foi perda de tempo.
Talvez seja exceção, mas pode ser que expresse o silêncio dos que se acomodam às circunstâncias e limitam-se a fazer o necessário para “passar de ano”. Há um certo estranhamento em relação à Ciência Política. A reflexão crítica sobre a política e o direito parece desnecessária e, em alguns casos, até temerosa. Como diria Dostoievski, “uma consciência muito perspicaz é uma doença, uma doença autêntica, completa. Para uso do cotidiano seria mais do que suficiente a consciência humana comum”.
A consciência perspicaz trás à tona o sofrimento. A ignorância é seu antídoto; a consciência crítica é um estorvo à adaptação e ao individualismo descomprometido com a comunidade, a polis. É melhor e mais fácil memorizar códigos e leis, especializar-se sem perguntar-se sobre os “por quês”. Existem as exceções, os que, apesar de tudo, conseguem desenvolver a visão crítica. E há os realmente interessados em se superarem. Lembro de outro acadêmico que, com certo ceticismo, perguntou por que eu dava aulas no Direito. Respondi que gosto de situações pedagógicas que me desafiam e é importante que os alunos possam viver outras experiências que também os desafiem.
Estas lembranças emergiram ao ler “Ensino jurídico e mudança social”, de Antônio Alberto Machado. Ele mostra como o conhecimento jurídico encontra-se “aprisionado por um discurso liberal conservador e por uma pedagogia dogmática e formalista”. É um ensino “centrado apenas no estudos dos códigos e das formalidades legais; o ensino excessivamente tecnicista, resumido no estudo das técnicas jurídicas de interpretação e aplicação dos textos legais sem qualquer articulação com os domínios da ética e da política; o predomínio incontrastável da ideologia positivista; o ensino completamente esvaziado de conteúdo social e humanístico; a baixa qualidade técnica da maioria dos cursos jurídicos; a proliferação desordenada desses cursos sem nenhum controle eficiente sobre a qualidade dos mesmos; o predomínio de uma didática superada e autoritária, centrada exclusivamente na aula-conferência e na abordagem de conteúdos programáticos aleatoriamente definidos etc.”
A questão não é individual, deste ou daquele aluno. Uns podem se esforçar mais que outros, mas todos estão submetidos a uma formação predominantemente centrada no paradigma normativista positivista.
Diante de uma formação essencialmente tecnicista e formalista, fundada no mito da imparcialidade e neutralidade axiológica, não é surpresa a despolitização e a resistência a disciplinas como Ciência Política. Os aspectos sociais, políticos e humanistas são secundarizados ou descartados. Formam-se operadores jurídicos tecnicamente competentes, mas insensíveis e descomprometidos em relação às questões sociais e políticas que caracterizam a nossa realidade social desigual e injusta.
“Ensino jurídico e mudança social” merece ser lido pelos acadêmicos e, especialmente, pelos responsáveis pela formação deles. Contribui para a reflexão sobre o ensino jurídico e, conseqüentemente, sobre o papel da universidade na sociedade brasileira e a responsabilidade social dos acadêmicos, docentes e todos os envolvidos no campo jurídico.
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DOSTOIEVSKI, F. Memórias do subsolo. São Paulo, Editora Paulicéia 1992, p. 68.
MACHADO, Antônio Alberto. Ensino jurídico e mudança social. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

Idem, p.18-19.
Para mais informações sobre o livro, sugiro a leitura da resenha “Crítica do ensino jurídico”, publicada na REA, nº 99,