sexta-feira, maio 28



Roteiro para resenhas literárias


Jornalista não sabe escrever resenhas. Bom, nem todos, é melhor não generalizar. O fato é que, em algumas faculdades, os estudantes não costumam aprender ou praticar a escrita de resenhas, seja de livros, filmes, espetáculos ou exposições. Como sabemos, perde-se muito tempo redigindo milhares de notícias com ‘lead’ e ‘sublead’ (que me desculpem os leitores não jornalistas) e com outras camisas-de-força do jornalismo dos jornalões. Mas apesar disso, não são poucos os jornalistas que se interessam por outras áreas, além das notícias de ‘política’, ‘Brasil’ e ‘cidade’, e que preferem se dedicar aos segmentos literário, artístico, musical. Interessados em cultura, eles acabam tendo que aprender tudo sozinhos, através da leitura de resenhas ou da prática profissional.

Em busca de um guia

Essa falta de referências quando o assunto é resenha foi o que me fez procurar na internet,  um manual ou algo do tipo sobre “como escrever resenhas de livros”. Qual não foi a decepção! O pouco que encontrei foram dicas ou links para compra de livros sobre elaboração de resenhas acadêmicas, que são bastante diferentes do tipo de resenha que eu pretendia achar; nada de resenhas para jornais, revistas ou sites.

Sendo assim, resolvi tentar elaborar e tornar disponível neste site um roteiro criado a partir da leitura de uma resenha publicada no caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo.

EXEMPLO 1

O Globo

Título

    “Retrato de época”

O título da resenha pode ser praticamente qualquer um: do título da obra a ser descrita até um aspecto especialmente interessante do texto. Na resenha principal do caderno Prosa &Verso do dia 25 de dezembro de 2004, utilizado como exemplo, o título oferece um panorama do que o leitor encontra no livro: um retrato de época. Poderia ser ‘rumo ao futuro’ ou ‘na idade da pedra lascada’, caso se tratasse de obras sobre a sociedade do ano 3.000 ou sobre os nossos ancestrais.

Subtítulo

    “As emoções de um Brasil ingênuo na apaixonante saga do Circo Nerino”

Sendo opcional, o subtítulo traz ao conhecimento do leitor, mais especificamente, o que contém o livro. Um retrato de época, sim, mas de que época, de que se trata exatamente? Do Circo Nerino.Ficha técnica da obra

    Circo Nerino, de Roger Avanzi e Verônica Tamaoki. Editora Códex, 354 páginas. R$ 80

Apresentam-se todas as informações técnicas da obra. É importante citar sempre o número de páginas e o preço do livro, para que o leitor saiba se está dentro de suas possibilidades adquiri-lo e se o preço condiz com o tamanho e o conteúdo do livro. Algumas resenhas apresentam até mesmo as dimensões do volume.Resenhista

    Cora Rónai

Parte 1

Introdução / apresentação do contexto

    “Houve um tempo, acreditem, em que não havia televisão; houve tempo, até, em que não havia sequer rádio ou cinema. As pessoas se distraíam lendo, contando histórias, fazendo a sua própria música. Iam ao teatro, quando havia teatro, e às apresentações das bandas nos coretos. Praticamente não havia cidade digna do nome sem uma banda e um coreto.

    Mas a grande diversão, a festa que transformava a paisagem e alegrava os corações, era o circo. É difícil imaginar, no nosso mundo de entretenimento instantâneo e ininterrupto, o que representava a chegada do circo, sobretudo nas pequenas cidades do interior. A verdade é que já não há espetáculo, por grandioso que seja, capaz de superar, em impacto, a presença alegre da lona, que atraía igualmente a todos. O circo era a quebra da rotina, o grande assunto, a mágica que superava a imaginação. Não era à toa que o palhaço era ladrão de mulher, e que tanta gente fugia com o circo.”

Aqui, no espaço que chamei de ‘Introdução / apresentação do contexto’, a resenhista introduz o leitor no tema tratado na obra. Isto pode não ser necessário nos casos em que o assunto abordado está próximo o suficiente do leitor a ponto de dispensar apresentações sobre uma determinada realidade. Neste caso, como se trata de outra época e de um assunto – o circo – que já se afastou bastante do cotidiano do leitor, tornou-se importante este espaço.Descrição da realidade específica abordada no livro

    “Durante 52 anos, entre 1913 e 1964, utilizando todos os meios de transporte imagináveis, o Circo Nerino, “o mais querido do Brasil”, viajou pelo país, armando a lona onde fosse possível, de largos e praças a terrenos baldios, passando até, em João Pessoa, por uma lagoa seca, abandonada pelos jacarés. Por precárias que fossem as instalações, porém, o público, fiel, garantia meses de aplauso, afeto e casa lotada.

    Como tantos outros circos de cavalinhos, o Nerino nasceu da associação de meia dúzia de artistas, todos aparentados. Na época, circo ainda não era profissão que se aprendesse em escola especializada, mas destino de família; assim é que, pela árvore genealógica do Nerino, passam gerações de artistas, do palhaço Arrelia à atriz Renée de Vielmond. Licemar e Luciene Medeiros, da novíssima geração, nascidas já depois do Circo Nerino ter dobrado de vez sua lona, trabalham em Las Vegas, numa das equipes do Cirque du Soleil.”

Nesta segunda parte da resenha, a autora apresenta a parte daquela realidade que é abordada na obra. Aqui também, dependendo do grau de familiaridade do leitor com o objeto a ser descrito, a apresentação será mais ou menos completa. No caso de Circo Nerino, foi preciso contar a história do grupo, já que podemos imaginar que poucos leitores conheceriam o circo.

Parte 2

Entretítulo

    “A vida era sonho… mas nem tanto”

A mesma liberdade que se tem no subtítulo, tem-se aqui, no entretítulo. A resenhista optou por citar um ponto de vista do senso comum – a vida no circo como um sonho – e desfazer esta expectativa com ‘mas nem tanto’.Sobre os autores

    “Roger Avanzi, de 82 anos, é filho de Nerino, de quem herdou ofício e personagem. Quando o pai ficou velho demais para fazer o palhaço Picolino, Roger, até então galã, virou Picolino II. Tomar a si a responsabilidade de assumir o papel principal do circo foi uma decisão delicada e difícil. “Nunca mais fui o mesmo”, confessa. “Talvez uma pessoa muito instruída, bastante sabida, consiga explicar essa transformação.

    Felizmente Verônica Tamaoki, a quem se deve a extraordinária pesquisa e o belo texto de “Circo Nerino”, sabe que certas coisas não se explicam. Equilibrista e malabarista, fundou a sua própria escola de circo em Salvador, a Escola Picolino, e criou o site www.pindoramacircus.arq.br, onde divulga notícias do picadeiro. Da sua intimidade com o universo circense nasce muito do encanto deste livro, em que o velho Nerino volta à cena com suas alegrias e tristezas, tragédias e atos de heroísmo, romances e desgostos. A poesia algo melancólica com que tantos de nós teimamos em pintar os circos dá lugar a uma vida trepidante, cheia de trabalho árduo, problemas práticos e contas para pagar. Uma vida de sonhadores, com os pés solidamente plantados na corda bamba.”

Quase tão importante quanto falar sobre a obra é falar sobre os autores. Neste caso são dois, e a resenhista apresenta um pequeno resumo de quem são eles e o que cada um acrescentou ao texto. Caso se tratasse de autores com outros livros publicados, seria preciso também citar as outras obras, tentando oferecer ao leitor um panorama da produção literária do escritor.Idéia geral do livro ou conclusão

    “O livro não é bem um romance, não é só uma coleção de fotos ou apenas um conjunto de depoimentos; é um pouco disso tudo, e muito mais: “Desde o início, o livro assumiu a direção de sua criação”, escreve Verônica, na apresentação. “Foi ele que nos dirigiu, não o contrário. E quando começou a mostrar sua cara, descobrimos que pertencia à aristocracia dos álbuns de fotografias dos circenses”.”

Na última parte, costuma-se fazer uma espécie de conclusão, em geral com depoimentos do autor ou, caso isto não seja possível, com uma idéia geral sobre o livro. Por exemplo: Circo Nerino poderia parecer, a primeira vista, apenas mais um livro de época, com fotos etc., mas não é só isso; após a leitura, o leitor terá encontrado também informações sobre a época, o papel do circo em geral, a história deste circo em particular, a interação do público com o circo etc.; mostrando se a obra cumpriu o que pretendia, dando ao leitor motivação ou não para ler.

É claro que ‘só um’ exemplo de ‘apenas um jornal’ . Mas para tudo há sempre um primeiro passo…

 Mariana Simões*

[Mariana Simões Lourenço é jornalista, especialista em Literatura Infanto-Juvenil pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente, trabalha com revisão e preparação de textos no Setor de Editoração do Arquivo Nacional e, como freelancer, em editoras.]

Fonte do exemplo:
http://oglobo.globo.com/jornal/Suplementos/ProsaeVerso/147600996.asp

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