quinta-feira, junho 24


Teorizando o concludo


Caio Rudá*

O concludo não é resultado de um esforço teórico para desenvolvê-lo. O empenho, no sentido de lapidá-lo, surgiu quando de uma sequência de poemas em que vi repetido um relativo padrão no número e arranjo de versos. Tal relativa despretensiosidade serviu para que somente após a organização desse artigo a nova forma poética ganhasse nome, antes existindo somente em sua funcionalidade.

Certamente, apenas reunir suas características enquanto poema num texto expositivo seria de um reducionismo completamente oposto à sua natureza poética. A origem do concludo está diluída em alguns poemas e compreende um modus operandi acidentalmente delineado. Assim, falar em gênese do concludo é também discutir a própria atividade artística.

Ironicamente, a casualidade em questão, fundamental ao amadurecimento da nova fórmula poética, parece em xeque quando se remonta ao primeiro poema escrito com o arranjo característico dos versos – um simples 6 – 3, isto é, uma primeira estrofe com seis versos e uma segunda com três – na medida em que o poema trata da questão do fazer poético:

poiesis


poesia é mais que rimar
meia-dúzia de vocábulos,
não é um mero brincar
com as palavras,
tampouco expressão
dos sentimentos.

poesia é quando você olha
para o papel e não consegue
deixá-lo em branco.


Escrever um concludo envolve, portanto, o desenvolver de uma idéia, reflexão, elucubração, dúvida, questionamento, posição ou asserção em uma estrofe e posterior e imediata conclusão na segunda. Esse valor semântico identificado em poiesis e em outros poemas abrangidos pela proposta, encontrou institivamente na fórmula 6 – 3 a construção ideal, justificada pela adequação rítmica da quebra de estrofe. A retomada na brevidade de três versos significa, além do eficaz efeito sonoro, uma adequada composição estética. Dessa forma, o rápido intervalo entre estrofes, o hiato essencial, é componente importante, que condiciona uma pausa com a qual o poeta trabalha na percepção do leitor e que antecede surpresa, decepção ou outro sentimento desejado pelo poeta.

O desfecho, em que o poeta realmente diz concludo¹, é pontual. A última estrofe não pode ser uma proposição, mas atestamento, uma conclusão encerrada no limite do poema. Ainda que, de maneira geral, restem incertezas acerca da matéria debatida, o poema precisa ser finalizado em seu último caractere.

Assim, após vários versos terminados, surgiu o primeiro concludo deliberadamente escrito como tal,

Insônia:


Um desassossego à noite me veio qual peça de arte.
Não me concentrava senão no balançar
da cortina ao vento, uma rubra pintura expressionista
em penumbra, cena fatídica de filme noir.
Desconfiei de contratempos em sol na bexiga,
minha mera gaita de foles desafinada.

Romance meu sem início nem fim,
somente acompanhado meio repentino,
a concepção sorrateira desse poema.


           Somente para finalizar, o concludo é um projeto poético que desperta a reflexão, não se preocupa com métrica e embora seja uma forma fixa, por dar ênfase à questão dos significados, acaba proporcionando ao poeta grande liberdade de abarcar o que quiser com o bônus de chegar a um objetivo no fim das contas.

Em última análise, o concludo é mais uma fórmula do que uma forma; suas características centrais são o apelo ao ato de reflexão no limite das 9 linhas. Nessa receita, mais importam os ingredientes do que a tigela.


¹ Concludo é a conjugação do verbo latino concludere (concluir) na 1ª pessoa do presente indicativo.


[CAIO RUDÁ é um jovem escritor que usa muito da intuição para compor sua poética e, apesar de não ser afeito às influências, as tem e as cita: Drummond e Leminski, o que não precisava fazer, pois saltam aos olhos. Caio Rudá de Oliveira nasceu em Riachão do Jacuípe, interior da Bahia, pouco depois de as águas de março fecharem o verão de 1989. Atualmente, cursa graduação em Psicologia, pela Universidade Federal da Bahia, mantém o blog Das Idéias de Caio Rudá (http://dasideiasdecaioruda.blogspot.com/) e escreve para a revista virtual de literatura Samizdat (http://www.revistasamizdat.com/). Sua vida é transitar entre o litoral e o sertão, assim como o faz também entre Arte e Ciência, na esperança de que um desses lhe explique o ser humano. Não é um entusiasta das explicações, mas esclarece que “não há o que pague um poema pronto”.]

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